Bahia
22.10.2020Tudo foi descoberto após um grande susto. As crianças brincavam na
sala, com as típicas alegria e algazarra infantis. De repente, a força
do som toma conta do local, algo pesado caiu no chão e a queda provocou um
barulho que todos se assustaram, exceto a pequena Laiza, filha de Dona
Angélica e Sr. Bartô, que continuou brincando no chão, como se nada
houvesse acontecido. A cena deixou Celinha, madrinha da criança,
preocupada e ela desconfiou que a menina de dois anos tinha algo de
diferente. Buscaram atendimento médico e descobriram que Laiza Rebouças,
assim como a irmã, era surda.
O não domínio da Língua Portuguesa e a ausência da audição trouxeram
grandes dificuldades na infância. “Era muito difícil na escola, sabia
leitura labial, mas não era o suficiente para aprender nas aulas. Fazia
reforço escolar três vezes por semana para compreender os livros que a
professora passava, porém a Língua Portuguesa é bastante oral e sonora e
eu não ouvia nada! Isso me deixava fechada, tímida e, às vezes,
irritada, sofria muito”. Nesse período, a ajuda da família foi
fundamental para superar as dificuldades. “Meus pais são um tesouro na
minha vida. Eles eram professores, trabalhavam muito, porém me recordo
deles sentados na mesa de estudos para acompanhar as minhas atividades.
Aprendi a ser forte e persistente para superar as dificuldades”, conta
Laiza.
Professora da rede estadual, atuando no Centro de Capacitação de
Profissionais da Educação (CAS) Wilson Lins, em Salvador, Laiza conta
que encontrou um novo universo cheio de possibilidades ao ter contato
com a Língua Brasileira de Sinais - Libras. “Comecei por volta dos 16
anos a me comunicar com outros surdos. No início, usava apenas sinais e
gestos, mas a comunidade foi me ensinando, até ficar fluente em Libras. O
contato com eles foi ótimo e me inspirou, descobri a minha identidade,
me senti segura. Assim que comecei a estudar Letras pela Língua
Brasileira de Sinais, minha visão se abriu para um novo horizonte”,
recorda a professora, formada em Letras Libras, pela Universidade
Federal de Santa Catarina, e Direito, pela Universidade Católica do
Salvador.
O universo de possibilidades, luta e ativismo de Laiza inspirou pessoas
como Ana Beatriz. Com 33 anos, ela também é surda e se formou em quatro cursos de nível superior. “Conheci a professora antes de ser aluna e
foi uma experiência maravilhosa vê-la ensinando em um dos cursos que fiz
na faculdade. É uma profissional sagaz, atuante e competente. Ela sabe
sanar as dúvidas dos alunos com paciência e muita metodologia.
Recordo-me que a turma sempre tentava se comunicar com ela em Português,
porque Laiza é uma surda bilíngue, ou seja, fala em Libras e Língua
Portuguesa. Ela atendia, porém incentivava aos estudantes a se
comunicarem em Libras”, relata a ex-aluna.
A colega de trabalho, Alana Moura, também formada em Letras Libras, concorda com Ana e acrescenta: “ela conhece bastante sobre a cultura surda e sabe organizar nosso trabalho no CAS Wilson Lins e promover eventos específicos para surdos. Minha colega é uma pessoa especial, que considero um exemplo como profissional. Como ela também é bacharel em Direito, colabora com a comunidade surda sobre diversos temas”. Nas redes sociais, Laiza Rebouças criou o Canal JusLibras, disponibilizando orientações jurídicas no Youtube, Instagram e Facebook, ampliando as possibilidades do ensino e da aprendizagem pelo mundo afora.
Reportagem: Pedro Moraes