Bahia
08.10.2020A professora de Filosofia, Maria Isabel Gonçalves, 33, natural do
povoado Duas Passagens, a 15 km do município de Boninal, na Chapada
Diamantina, onde leciona no Colégio Estadual Rui Barbosa, está entre os
diversos educadores que, neste cenário de pandemia, ultrapassaram as
barreiras do acesso digital para, de forma voluntária e solidária,
manter o vínculo com os estudantes e continuar estimulando-os na busca
pelo conhecimento. Através do projeto "As filosofias de minha avó:
poetizando memórias para afirmar direitos", com o qual venceu a 23ª
edição do prêmio Educador Nota 10, promovido pela Fundação Victor
Civita, a educadora vem propondo aos estudantes o resgate de memórias de
seus familiares e ancestrais.
"Pelos quatro cantos da Bahia, podemos encontrar professores que
decidiram não parar e seguem acompanhando seus estudantes e inventando
estratégias de aprendizagem para este momento. Este é o significado da
nossa profissão: entrar na luta pelos nossos estudantes, mesmo nas
situações mais adversas", afirmou a educadora.
Segundo Maria Isabel, o projeto ganhou novas perspectivas durante o
isolamento social. "As pesquisas no âmbito da família foram
intensificadas, com a possibilidade de colher outras histórias marcantes
vividas pelos avós, na procura pelos baús das recordações (objetos,
cartas e fotos antigas). Neste momento tão difícil para a população mais
idosa, o projeto se abriu para a continuação da partilha do afeto entre
os estudantes e seus avós, aproveitando as possibilidades da troca de
mensagens, via WhatsApp. Desde o início da pandemia, diagnosticamos que
em todas as famílias havia pelo menos um celular disponível para ser
utilizado. Os estudantes foram orientados a ligarem para seus avós,
ouvirem suas histórias mais marcantes e continuarem a escrevê-las".
Por meio do engajamento dos estudantes, o projeto vem se transformando,
juntamente com as vidas de cada um. "A ideia logo se ampliou para os
estudos da Filosofia Feminista, com a coleta de histórias de outras
mulheres da comunidade. Posteriormente, criaremos um roteiro dessas
histórias em gênero livre: relato, conto, teatro, filme ou documentário.
Cada estudante usará a sua imaginação para propor como a história de
cada mulher que eles entrevistaram deverá ser contada, qual cenário e
roteiro, etc", comentou.
A educadora segue firme com novas possibilidades geradas pelo projeto.
"Ainda neste momento de quarentena, fui convidada pelos colegas de
Filosofia de outras cidades do Território da Chapada Diamantina para o
projeto Apoena, que é um folheto didático de Filosofia para os
estudantes do Ensino Médio, idealizado pelo professor Kleber Chaves, em
Barra da Estiva. Assim, passei a ser colunista do folheto na coluna
"Reinventando a Filosofia" e pude ampliar o alcance das propostas de
atividades que já vinha desenvolvendo com os meus estudantes e, até
mesmo, publicar as melhores produções das turmas, nos exemplares do
folheto. Todas estas iniciativas são a nossa 'carta de esperança',
nestes dias tão confusos", destacou.
Maria Isabel revela que este poetizar que ela traz, enquanto
professora, surgiu da sua caminhada na infância. "Minha mãe me ensinou a
escrever com pedras na calçada da nossa casa isolada na zonal rural, no
meio da Caatinga. Foi assim que eu iniciei meu encantamento pelas
palavras. Minha mãe gostava muito de escrever e só estudou até a 4ª
série, porque ficou impossibilitada de estudar para cuidar dos irmãos.
Ela tinha diversos caderninhos, nos quais copiava trechos de músicas que
ouvia no rádio de pilha, pois onde a gente morava não tinha energia
elétrica. Desta forma, ela cantava as cações copiadas, nos contava
histórias e, assim, me influenciou através das músicas e das palavras".
A estudante Maristela de Souza Filha, 17, 2º ano, falou sobre o impacto
do projeto em sua vida. "Tivemos a experiência de buscar o 'baú de
recordações' de nossas famílias, que é uma continuação das do projeto
'As filosofias de minha avó'. Dentro dessas recordações, consegui
encontrar cartas que foram do meu bisavô, de 1949, e um convite para uma
festa de Nossa Senhora dos Remédios, de 1935, pois naquela época essa
era a única forma de se comunicar. Uma curiosidade que vi são os
aspectos e os tipos de linguagens antigas expressas nas cartas. Com a
ajuda da professora Maria Isabel, conseguimos despertar as filosofias
que há em nós. Ela é uma professora criativa, que está sempre inovando e
trazendo coisas novas para todos nós. Eu e minha irmã fomos criadas
pelos meus avós, eles sempre foram batalhadores e guerreiros para dar o
melhor para nós e seus filhos. Os avós são nossos exemplos. E, mesmo que
você esteja distante deles, nunca deixe de retribuir o carinho e o amor
que eles deram. Sente com eles e escute as lindas ou tristes histórias
que têm para contar", aconselha.
Quem também declarou o seu amor pela professora foi a estudante Fabíola
de Souza Xavier, 18, que também fez parte do projeto e já concluiu os
estudos. "Quantas saudades da professora Maria Isabel. Tivemos momentos
incríveis, nos quais ela mostrou o quanto ama o que faz. Saudades da
melhor professora que me incentivou cada sonho. Percebi a Filosofia
quando nos mostrou o seu amor por ela em cada atividade ou projeto",
revelou.