Sergipe
09.04.2024Em Sergipe, a dignidade menstrual é política de Estado, e sua discussão nas escolas se encontra em estágio avançado. Com o Programa Estadual de Promoção, Proteção e Prevenção da Saúde Menstrual nas Escolas - Cuidar-SE, o Governo do Estado vem disponibilizando absorventes a mais de 72 mil pessoas que menstruam em todo o território sergipano. A iniciativa, que atua na faixa etária dos nove aos 23 anos, contempla estudantes matriculados nas diversas unidades da Rede Pública Estadual de Ensino de Sergipe.
A política é conduzida por meio da Secretaria de Estado da Educação e da Cultura (Seduc), que realizou um levantamento para identificar o público-alvo. Nesse intento, foram adquiridos 145.450 pacotes de absorventes, em um investimento de mais de R$ 1,8 milhão oriundo do Tesouro estadual. O quantitativo foi calculado com base no número de absorventes necessários dentro do período letivo para todas as 319 escolas públicas da rede estadual. Para além da parte material, no entanto, o Cuidar-SE também se baseia na conscientização de toda a comunidade escolar.
Um dos pontos centrais da política é o combate à infrequência e à evasão escolar geradas pelas dificuldades no período menstrual. “O absorvente é uma necessidade, porque sem ele não dá para ir à escola. Muitas pessoas chegam a usar materiais alternativos, como toalhas, papel, panos. Por isso, o Cuidar-SE está ligado ao Programa Saúde na Escola, já que tem a ver com higiene íntima”, descreve a diretora do Departamento de Apoio ao Sistema Educacional (Dase), Eliane Passos. O órgão é responsável por operacionalizar a política dentro da Seduc.
Além dos problemas relacionados à ausência do absorvente, outras questões se impõem às pessoas que menstruam. “O fato de o diretor ser um homem ainda é um elemento dificultador. Há um receio em abordar a gestão da escola. Então, estamos conversando com os gestores para criar estratégias, para que todos se sintam confortáveis. O local onde o absorvente é disponibilizado, por exemplo, faz diferença”, detalha.
Para a diretora do Dase, a conversa sobre a menstruação ainda é cercada por limitações. “É um tabu, porque fomos criados acreditando que se trata de algo muito íntimo, que não se deve falar para ninguém. Ainda existe o conceito de que a pessoa ‘vira moça’ quando menstrua. Com isso, há uma grande carga”, acrescenta.
Outro ponto de destaque da política é o olhar às pessoas que menstruam, para contemplar múltiplas especificidades. “É comum falar sobre mulheres e meninas, mas é importante lembrar de outras pessoas que menstruam, como os meninos trans. Nesse sentido, trabalhamos temáticas como preconceito e violência. A escola tem que orientar a enxergar o diferente com naturalidade. Isso é uma política do Governo de Sergipe e da Seduc”, ressalta.
Para promover a conscientização entre a comunidade escolar, o Cuidar-SE conta com o apoio de psicólogos e assistentes sociais do Programa de Acolhimento Psicossocial nas Escolas Estaduais de Sergipe - Acolher. “O Cuidar-SE não é isolado. Ele movimenta a escola para dar condições físicas e emocionais favoráveis para quem menstrua e quem está ao redor. O Governo de Sergipe tem buscado esse olhar atento”, sublinha Eliane Passos.
Pontos de vista
Itabaianinha é um dos municípios sergipanos em que as discussões sobre dignidade menstrual já vinham ocorrendo desde antes do Cuidar-SE. No Centro de Excelência Prefeito Joaldo Lima de Carvalho e no Colégio Estadual Monsenhor Olímpio Campos, o contato com alunos egressos, com o grêmio estudantil e com outras instituições de ensino fez com que a disponibilização dos absorventes se tornasse algo rotineiro desde 2022. Até então, no entanto, a ação era um paliativo, com quantidade restrita.
Karla de Jesus Santos, diretora do Colégio Estadual Monsenhor Olímpio Campos, explica a diferença do programa na vida da comunidade escolar. “Antes, os absorventes ficavam nos banheiros para a pessoa pegar um, de forma pontual. Hoje, ela sabe que tem direito, e pode buscar seu pacote na diretoria antes de o período menstrual começar. Então, é uma ação que interfere diretamente na frequência de cada estudante. A gente sente que as pessoas estão muito mais seguras, confiantes, com um semblante mais leve, depois do programa. Até porque meninas e meninos são convidados a fazer parte do debate, assim como os funcionários. Todos falam a mesma linguagem, porque é uma política que envolve respeito”, diz.
Mariana Santos, 17 anos, é aluna do 3º ano do ensino médio no Centro de Excelência Prefeito Joaldo Lima de Carvalho. Em sua visão, o Cuidar-SE ajudou a fortalecer a cultura de acolhimento na escola. “A pobreza menstrual é abordada pelas Nações Unidas desde 2014. No Brasil, chegou há cinco anos. Isso acontece porque ainda há muito preconceito sobre o tema. Aqui na escola, a gente começou a falar mais sobre isso no ano passado. No meu caso, por conta de o ciclo menstrual ser um tabu na família, tive que aprender tudo o que sei sozinha. O Cuidar-SE me ajudou a tirar dúvidas e a saber mais sobre mim. Pelo fato de a direção da escola ser mais masculina, algumas pessoas se sentiram intimidadas no início, mas todos foram muito receptivos e a gente se sentiu acolhido”, resume.
O diretor do Joaldo, Hugo Francisco Carvalho dos Anjos, reforça o efeito do Cuidar-SE na prevenção à evasão escolar. “Com o Cuidar-SE, tanto estudantes do ensino integral quanto do noturno podem contar com os absorventes. E não é só uma unidade, mas o pacote. Isso evita a situação de a pessoa sair de repente da escola por um imprevisto ou acidente com a menstruação, por exemplo”, conta.
Para Ana Luiza Freitas, que tem 17 anos e é aluna do 3º ano do Olímpio Campos, o debate proposto pelo Cuidar-SE ultrapassa as fronteiras da escola. “Mesmo um menino que não menstrua, por exemplo, pode levar o conhecimento da escola para casa e cuidar da família. Ele pode ajudar buscando um absorvente e sabendo escolher cada tipo, pode entender quando a mãe ou irmã estão com cólica ou TPM [Tensão Pré-Menstrual], pode oferecer conforto e até algum medicamento que já seja de uso da pessoa. O Cuidar-SE facilitou essa comunicação”, salienta.
Luiz Henrique Domingos de Oliveira, de 17anos, também é aluno do 3º ano no Olímpio Campos e concorda com Ana Luiza. “O Cuidar-SE fez com que a gente pudesse buscar informações. Mesmo não passando pelo ciclo menstrual e suas dificuldades, a gente, agora, tem como saber das coisas para dar um suporte a mais a quem menstrua”, pontua.
Início
Antes de se tornarem política pública do Governo de Sergipe, as ações de combate à pobreza menstrual já circulavam pelo estado. Exemplo é o projeto ‘Absorvente é Direito’, de autoria da estudante Lenice Ramos, egressa do Centro de Excelência Atheneu Sergipense. A iniciativa de Lenice, que ganhou destaque nacional em 2021 ao pautar a dignidade menstrual em ambiente escolar, impulsionou as discussões entre a sociedade civil e o poder público.
Na Seduc, equipes vinculadas ao Dase já estruturavam o programa, que precisava, então, passar por ajustes jurídicos. Com o suporte do Tribunal de Contas do Estado (TCE), o Cuidar-SE ganhou respaldo. Outro importante marco nesse processo foi o Projeto de Lei Nº 328/2023, de autoria da deputada estadual Carminha Paiva e sancionado pelo governador Fábio Mitidieri. O projeto propôs a instituição da Política Estadual de Dignidade Menstrual, expandindo as ações além do âmbito escolar.
Em 15 de fevereiro de 2024, primeiro dia do ano letivo das escolas públicas estaduais, o Cuidar-SE foi apresentado de forma oficial. Já no lançamento, o programa mostrou seu caráter integrativo, propondo o debate entre alunas e alunos com o apoio de materiais informativos e profissionais de saúde.
“Fizemos uma aquisição inicial dos absorventes para atender o primeiro semestre. Agora, estamos fazendo um levantamento para ajustar o número no próximo semestre. Em paralelo, veio o programa do Governo Federal, que disponibiliza absorventes de forma gratuita nas farmácias populares. É, portanto, uma política estadual que coaduna com a política nacional, e que se baseia em ações que partiram das próprias escolas, de forma autônoma”, relata a diretora do Dase.
Intersetorialidade
Mais do que a disponibilização de absorventes, o Cuidar-SE é uma política intersetorial que abrange não só setores da Seduc, mas também outras secretarias e órgãos do Governo de Sergipe. Exemplos são a Secretaria de Estado da Assistência Social, Inclusão e Cidadania (Seasic) e a Secretaria de Estado de Políticas para as Mulheres (SPM). Esta última, inclusive, assina junto à Secretaria da Educação a ‘Cartilha de Dignidade Menstrual como Direito à Educação’, a ser lançada.
O Cuidar-SE é executado pelo Serviço de Projetos Escolares em Direitos Humanos (Sepedh), vinculado ao Dase/Seduc. O setor também abriga o Acolher e o Programa Saúde na Escola, entre outras ações relacionadas à garantia de direitos. O programa vem dialogando, ainda, com as unidades de saúde municipais e os Centros de Referência da Assistência Social (Cras).
É com esse trabalho conjunto que o Governo de Sergipe vem alcançando êxito em todas as suas políticas ligadas ao ambiente escolar. “A escola pública estadual nunca foi tão acolhedora como está agora. É uma escola cidadã, inclusiva, que enxerga as necessidades de todos. O propósito do governo é tornar a escola o local de uma experiência prazerosa, seja pela climatização, pelo fardamento bonito, pelo kit distribuído no início do ano letivo, pelo absorvente disponibilizado, pelo psicólogo que está à disposição para conversa... O acolhimento, sem dúvidas, é a grande mensagem”, resume Eliane Passos.